domingo, 12 de dezembro de 2010

Papaleaks

Pope Benedict XVI received by Turkish prime minister in Ankara in 2006

Telegramas do WikiLeaks: Papa queria Turquia muçulmana fora da União Européia

Diplomatas vaticanos também fizeram lobby contra Hugo Chávez, da Venezuela, e queriam "raízes cristãs" consagradas na constituição da UE

Heather Brooke e Andrew Brown
guardian.co.uk, sexta 10 dezembro 2010 21.30 GMT


O papa é responsável pela crescente hostilidade do Vaticano sobre a Turquia entrar para a União Europeia, dizem telegramas secretos anteriormente enviados da embaixada americana para a Santa Sé em Roma.

Em 2004, o Cardeal Ratzinger, futuro papa, bradou contra deixar um Estado muçulmano se tornar membro, embora à época o Vaticano fosse formalmente neutro sobre a questão.

O ministro das relações exteriores, Monsenhor Pietro Parolin, respondeu contando aos diplomatas americanos que os comentários de Ratzinger eram individuais, e não a posição oficial do Vaticano.

O telegrama liberado pelo WikiLeaks mostra que Ratzinger era a voz que mandava por trás do movimento sem sucesso da Santa Sé em assegurar uma referência às “raízes cristãs” europeias na constituição da União Europeia. O diplomata americano observou que Ratzinger “entende claramente que permitir que um país muçulmano entre na UE iria enfraquecer ainda mais sua casa pelas bases cristãs da Europa”.

Mas em 2006 Parolin estava trabalhando para Ratzinger, agora Papa Bento XVI, e seu tom esfriou distintamente. “Nem o Papa, nem o Vaticano tinham aprovado a adesão per se da Turquia à UE,” ele contou para o agente diplomático americano, “no entanto, a Santa Sé tem sido constantemente aberta para acordo, enfatizando apenas que a Turquia precisa cumprir o critério de Copenhagen da UE para ocupar esse lugar na Europa.”

Mas ele não esperava que as demandas sobre liberdade religiosa fossem atendidas: “um grande receio é que a Turquia pode entrar para a UE sem ter feito os avanços necessários em liberdade religiosa. [Parolin] insistiu que membros da UE – e os EUA – continuem a pressionar o [governo da Turquia] nessas questões... Ele disse que, além daquela ‘perseguição aberta’, não poderia ficar muito pior para a comunidade cristã na Turquia.”

Os telegramas revelam que o governo Americano fez lobby em Roma e Ancara pela adesão da Turquia à UE. “Nós esperamos que um oficial sênior do departamento possa visitar a Santa Sé para encorajá-los a fazer mais para promover uma mensagem positiva sobre a Turquia e a integração,” concluiu o telegrama de 2006.

Mas em 2009, o embaixador americano estava informando, na ocasião da visita do presidente Barrack Obama, que “a posição da Santa Sé agora é que, como um não membro da UE, o Vaticano não tem papel nenhum em impulsionar ou vetar a adesão da Turquia. O Vaticano pode preferir ver a Turquia desenvolver uma relação especial com a UE na ausência de se tornar membro desta.”

O Catolicismo Romano é a única religião no mundo com o status de uma nação soberana, permitindo que a maioria dos clérigos do papa se sente no topo da mesa com líderes mundiais. Os telegramas revelam o rotineiro domínio do Vaticano sobre canais diplomáticos enquanto, por vezes, nega exercê-lo. O Vaticano tem relações diplomáticas com 177 países e tem usado seu status diplomático pra fazer lobby com os EUA, ONU e UE num apelo orquestrado para impor sua agenda moral através de parlamentos nacionais e internacionais.

O agente diplomático americano D. Brendt Hardt contou a Parolin, seu interlocutor diplomático em Roma, sobre “o potencial da Santa Sé em influenciar países católicos a apoiar ou banir a clonagem humana”, ao que Parolin enfatizou sua concordância com a posição dos EUA e prometeu apoiar inteiramente esforços da ONU para tal proibição.

Em outras questões globais, como mudanças climáticas, o Vaticano procurou usar sua autoridade moral como influência, enquanto se recusava a assinar tratados formais, como o acordo de Copenhagen, que requer compromisso com relatórios.

Numa reunião em janeiro deste ano, Dr. Paolo Conversi, o representante do papa sobre mudanças climáticas no secretariado de estado do Vaticano, contou a um diplomata americano que o Vaticano iria “encorajar discretamente outros países a se associarem a eles no acordo quando surgirem as oportunidades”.

Os americanos notaram que a oferta de Conversi a apoiar os EUA, ainda que discretamente, era significante porque o Vaticano era muitas vezes relutante em aparecer para comprometer sua independência e autoridade moral por se associar com particulares esforços de lobby.

“Ainda mais importante que a assistência de lobby do vaticano, no entanto, é a influência que a orientação do papa pode ter na opinião pública nos países com grandes maiorias católicas e além.”
Os telegramas também revelam que o Vaticano planejava usar a Polônia como um cavalo de tróia para espalhar valores de família católicos através de estruturas da União Européia em Bruxelas.

O então embaixador dos EUA para a Santa Sé, Francis Rooney, informou a Washington em 2006, pouco depois da eleição do Papa Bento XVI, que “a Santa Sé espera que a Polônia vá manter a linha na UE nas questões de ‘vida e família’ que surgirem” e serviria como um contrapeso ao secularismo europeu ocidental, uma vez que o país tinha sido integrado à UE.

Os trechos do telegrama nos quais o Papa Bento está preocupado com a crescente distância psicológica da Europa de suas raízes cristãs.

“Ele continua a focar no potencial da Polônia para combater essa tendência. Este foi um dos temas da visita de vários grupos de bispos poloneses ao Vaticano no final do ano passado [2005]. ‘É um tópico que sempre aparece,’ explicou Monsenhor Michael Banach, o ministro da Santa Sé para assuntos exteriores. Ele nos contou que os dois lados reconheciam que a os bispos poloneses precisavam exercer liderança face ao secularismo europeu ocidental.”

Através do Atlântico, o Vaticano tem dito aos americanos que quer minar o presidente venezuelano, Hugo Chávez, na América Latina, por causa de preocupações com a deterioração do poder católico lá. O Vaticano teme que Chávez prejudique seriamente as relações entre Igreja e Estado por caracterizar a hierarquia da Igreja como parte da classe privilegiada.

Monsenhor Angelo Accatino, responsável pelos assuntos do Caribe e dos Andes pelo Vaticano, disse que Obama deveria alcançar Cuba “em nome de reduzir a influência de Chávez e quebrar sua trama na América Latina”. Em dezembro do ano passado, o assessor americano para a Europa ocidental na ONU, Robert Smolik, disse que o observatório do Vaticano estava “sempre ativo e influente nos bastidores” e que assim “fez lobby nos corredores e em consultas informais, particularmente em questões sociais”.

Em 2001, outro diplomata americano no Vaticano afirmou: “a Santa Sé continuará procurando desempenhar um papel no processo de pacificação do Oriente Médio enquanto nega sua intenção”.

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