quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sagrado

(Gênesis 18,26)

O Senhor disse: “Se eu encontrar em Sodoma cinquenta justos, perdoarei a toda a cidade em atenção a eles.”

(Gênesis 19,1)
Pela tarde chegaram os dois anjos a Sodoma. Lot, que estava assentado à porta da cidade, ao vê-los, levantou-se e foi-lhes ao encontro e prostrou-se com o rosto por terra.

(Gênesis 19,4)
Mas, antes que se tivessem deitado, eis que os homens da cidade, os homens de Sodoma, se agruparam em torno da casa, desde os jovens até os velhos, toda a população.

(Gênesis 19,24)
O Senhor fez então cair sobre Sodoma e Gomorra uma chuva de enxofre e de fogo, vinda do Senhor, do céu.

Esses são versículos da bíblia católica que retratam a destruição da cidade de Sodoma, onde os homens supostamente passaram a se deitar uns com os outros, um desrespeito, uma aberração aos olhos do senhor Deus.  Deus havia prometido não destruir a cidade se encontrasse 50 justos, mas repetindo a pergunta do ilustre José Saramago em seu livro "Caim": Mas e as crianças de Sodoma?

A história da destruição de Sodoma é um dos pilares para a não aceitação cristã do comportamento homossexual, tema esse que está sendo discutido por membros da comunidade UFBA no orkut, sendo alguns deles membros daqui do Estado Laico Já!

Essa é uma história presente no velho testamento, ou seja, é comum às três grandes religiões monoteístas do mundo: Cristianismo, Islamismo e Judaísmo. 
Como tanto, tem sido usada para justificar uma série de comportamentos particulares e estatais ao redor do mundo. 

Em países onde vigora a Sharia (lei islâmica) ser homossexual é um crime punido com a morte e existem diversos outros países onde há pena de prisão para os homossexuais. Um exemplo deles é a Suazilândia, um antigo bantustão da África do Sul que se organiza como Estado monárquico e que possui o maior índice de infectados pelo vírus HIV do mundo. No ano passado, o país tentou começar uma campanha contra a AIDS e uma das medidas para tal era identificar os homossexuais homens, grupo de risco pelo tipo de relacionamento sexual (anal), convocando estas pessoas a se apresentarem, mas o cômico disso é que quem se apresentasse teria de ser preso, segundo a lei do país, o que fez a campanha ser um total fracasso.

Mas vamos voltar para a Igreja. A Igreja católica lançou suas bases institucionais na época do imperador Constantino "O grande" que unificou o império romano, então dividido em quatro, sob a bandeira cristã do χ e do ρ, iniciais gregas da palavra "Cristo". Nos anos subsequentes à unificação, o cristianismo passou de culto proibido a religião oficial do império e se iniciou uma política de perseguição às outras religiões (irônico, não?). O auge dessa política se deu sob o governo de Teodósio, que expediu diversas ordens de prisão e perseguição aos pagãos. Mas um episódio em especial chama a atenção para o tema aqui retratado: a Grécia, que foi o "país" das pregações de São Paulo, que impressionara a todos com a idéia de sua religião, ainda professava a fé politeísta e mantinha os seus antigos costumes, sendo um deles o comportamento homossexual, muito bem retratado no livro "O banquete" de Platão.

A Igreja romana, procurando angariar mais fiéis na Grécia, relevou os comportamentos homossexuais de seu povo, em certa medida, claro, evitando assim atritos. Mas um acontecimento acabou por mudar esse comportamento da Santa Sé. Houve uma revolta na cidade grega de Tessalônica. Uma revolta pagã contra a imposição do cristianismo. E por ordem do imperador Teodósio, houve um massacre dos revoltosos. A atitude do imperador foi duramente condenada pelo então Bispo Ambrósio, mais tarde Santo Ambrósio, que forçou o imperador a pagar penitência pelo crime que cometeu. No entanto, após o massacre, toda e qualquer manifestação identitária e cultural na Grécia foi proibida. Uma dessas manifestações era a homossexualidade, que passou a ser punida por autoridades do clero. 

Alguns montes de anos depois, eu vejo seres humanos que justificam o preconceito aos homossexuais pela bíblia. Pela religião. Sem aceitar de forma alguma a diferença. 

Mas o que eu acho interessante é que a Igreja de Roma foi capaz de tolerar a diferença quando lhe foi conveniente na Grécia. O que eu acho engraçado é que ela começou como um culto proibido e perseguido por ser diferente. Ela e todas as outras religiões cristãs que hoje usam seus dogmas e escritos sagrados para segregar o diferente, foram um dia segregados por serem diferentes. Judeus, muçulmanos, cristãos. Todos vieram do sangue de seus pioneiros perseguidos. 

Será que nunca vamos aprender?

Matheus Santos Rodrigues Silva

Um comentário:

  1. assista o documentario "a biblia me disse"
    vi que voce gosta do assunto, é um filme bem interessante.

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